terça-feira, 31 de maio de 2011

Quem quer melhor remuneração?


Crédito: Nova Renda
Quem quer melhor remuneração?
Por Alcides Campelo A. Junior
Uma pergunta aparentemente simples, fácil de responder e provavelmente uma resposta será unânime: É óbvio que sim! Afinal, quem não gostaria de ganhar um pouco mais para ter melhores condições de vida?

Complicando para simplificar...
Vi certa grafitagem em muros próximos a Universidade Federal de Pernambuco que continha a seguinte questão: já imaginou viver sem o dinheiro? E aqueles que param para refletir a indagação provavelmente deverão achar que isso seria algo inimaginável. Em se tratando de (e se vivendo em) sociedade criadora de mercadorias, realmente é difícil imaginar viver sem dinheiro. E se a partir disso passo a aceitar como natural, pois “as coisas são inalteráveis”, “não adianta querer mudar, foi sempre assim!” é aí que mudança passa a ser algo inalcançável.
Eis então dois trechos de músicas didáticas para problematizarmos a questão, o primeiro é da música Por enquanto de Renato Russo: “se lembra quando a gente chegou um dia acreditar que tudo era pra sempre sem saber que o pra sempre, sempre acaba” a segunda é fragmento de Como uma onda no mar de Lulu Santos: “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa, tudo sempre passará”. Essas frases tem em comum uma coisa, abordam a realidade de forma dialética, o que talvez nem tenha sido a intenção de seus autores, o que dessa forma, mesmo que involuntariamente, tiveram a compreensão mesma que Heráclito teve há uns 3 mil anos: tudo que é está deixando de ser; e a vida é um vir-a-ser permanente.
Sim, mas e daí? O que isso tem a ver com maior remuneração? Diretamente e aparentemente nada! Mas para os objetivos desse texto faz total sentido. Então vamos ao que interessa. Diante de qualquer interpretação ausente da perspectiva de movimento, ou seja, que concebe a realidade imutável, portanto estática, nunca irá fazer sentido imaginar qualquer coisa muito diferente do que se tem hoje. É com esse pensamento que se proclama “o fim da história”, chegamos ao mais alto nível de complexidade, não encontramos um modelo de sociedade perfeito, mas dá conta de nossas necessidades e ansiedades – Será? Talvez seja melhor acreditar nisso do que refletir sobre as contradições dessa sociedade, com sua imensa desigualdade social e opressões/explorações diversas.
Essa fantasiosa ilusão de que o estado atual de coisas é o limite máximo em que a humanidade pode atingir e que infelizmente temos que conviver com as desigualdades sociais, pois “sempre foram assim”, é a Matrix da vida real.  Assim como no filme estamos sujeitos a apenas viver sem questionar, alienados de nós mesmos, cada vez mais desumanizados. Apenas sujeitos passíveis e conformados com as relações sociais existentes, que deve acreditar numa realidade imutável. Depois de internalizado todo esse conjunto de idéias que visam mascarar as contradições desse modo de produção, encobrir a verdadeira realidade, naturalização das relações de dominação para justificar e sacramentar as relações de dominação (IASI, 2011: 81) – ou seja, a ideologia dominante –, o que resta dos que teimam ir de encontro a essas mistificações? No mínimo serem tachados de loucos inconseqüentes e utópicos.
Indo para depois voltar...
Querer e conseguir conquistar melhor remuneração não altera em nada com o sistema vigente, inclusive é mais saudável para o capitalismo ter trabalhadores mais satisfeitos com seus salários e assim, muito provavelmente, resignados com o status quo, do que um exército de trabalhadores ávidos por mobilização e reivindicações. Aliás, o grande temor dos capitalistas são os trabalhadores organizados e conscientes politicamente. O temor não se refere apenas a trabalhadores exigindo melhores salários e condições de trabalho, o grande temor diz respeito aos trabalhadores que tenham a consciência de classe, não apenas a consciência de classe que se reconhece enquanto classe e se identifica nos problemas desta, mas aqueles que não apenas se reconhecem enquanto classe oprimida e explorada, aqueles em que negam a si mesmo enquanto classe na tarefa histórica da superação da ordem do capital.
Duvida-se? Basta ver os mecanismos da organização do trabalho toyotista que intentam “passivizar” os trabalhadores, sob toda uma campanha tão mistificadora quanto o canto da sereia. Trabalhador “morreu”, deu lugar ao “colaborador”. Nas empresas participação agora não é mais palavra de ordem dos sindicatos, é palavra de ordem da gerência para com seus subordinados, ou melhor dizendo em termos próprios ao toyotismo, os seus colaboradores. Essas e outras tentativas visam mascarar a relação tensa, conflituosa e dialeticamente contraditória entre capital e trabalho. Assim como tentar cooptar os trabalhadores a assumirem objetivos os quais não são seus, tudo isso sob o discurso de que dessa forma todos crescem juntos empresa e “colaborador”. Apesar de tão encantador quanto o famoso canto da sereia, é na própria realidade dura de trabalho que se pode tirar a lição – parafraseando aqui título de livro de Marcia Hespanhol Bernardo (2009) – de que o discurso é flexível, mas o trabalho é duro.
Se até aqui ficou compreendido, mesmo que minimamente, a importância estratégica dos trabalhadores na superação da sociabilidade capitalista, creio então que é preciso retomar agora a importância da perspectiva de mudança em contraposição a ideologia dominante.
Voltando para concluir...
As letras das músicas supramencionadas tem a tarefa aqui de ilustrar que as coisas não são impossíveis de mudar, apesar de todo o aparato ideológico tentando negar isso. O pra sempre, sempre acaba. Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa, tudo sempre passará. Portanto, por mais difícil que seja imaginar uma sociedade sem dinheiro, quiçá uma sociedade sem classes, por que não lutar além de melhores remunerações? Utilizando-me novamente de outra música do pop rock nacional, acredito que deveríamos cantar que: “A gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade. A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade...” (Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Sérgio Britto - Comida).
Todos nós queremos melhores condições de vida, o ser humano luta por isso desde seus primórdios, em cada momento histórico a noção de boas condições para viver foi diferente, bem como do ponto de vista de qual classe se pertence na estrutura estamental se tem horizontes desiguais. Dessa forma, ao invés de contentarmo-nos com uma parte da riqueza produzida por nós mesmos, por que não nos apropriarmos coletivamente de toda essa riqueza, afinal, queremos inteiro e não pela metade. É inevitável aqui não aludir à canção da banda Plebe Rude: “com tanta riqueza por aí, onde é que está cadê sua fração?”.
O objetivo desse texto foi instigar aqueles que pensam apenas nas reivindicações refletir a necessidade de se pensar em mudanças profundas na estrutura do sistema capitalista, bem como tentar demonstrar que o que pode parecer impossível será impossível se assim aceitarmos que seja, caso contrário aceitemos o desafio histórico e vamos à luta! Contudo, compreendendo que “quem só espera não alcança, mas quem não sabe esperar erra demais, feito criança. Cai, e até se entrega ou trai. E cansa de lutar” (Taiguara – Cavaleiro da esperança), deve se entender que “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (Marx, K – O 18 Brumário de Luis Bonaparte).
Para além do pensamento do sindicalismo de resultados, das pautas meramente econômicas, das conquistas parciais, da satisfação dos direitos, dos limites das reivindicações – é preciso eliminar toda e qualquer resquicio do que nos explora e nos oprime, tenho em mente o patriarcado, o racismo, a propriedade privada dos meios de produção, o Estado, as classes, o capitalismo etc.
Referências

Bernardo, Marcia Hespanhol. Trabalho Duro, Discurso Flexível: uma análise das contradições do toyotismo a partir da vivência de trabalhadores. São Paulo: Expressão Popular, 2009
Iasi, Mauri Luis. Ensaios sobre Consciência e Emancipação. 2ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011
Marx, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Disponível em: < http://www.marxists.org/portugues/marx/1852/brumario/index.htm>

Um comentário:

  1. Questionar o mundo "concreto" que existe a sua volta é um grande desafio.
    Ter discernimento para despertar isso e propor alternativas a uma classe, que na sua maioria, e pela sua condição é propositalmente "anencéfala" é um trabalho um tanto árduo e longo.
    Tudo isso vai além de uma consciência individual, se torna necessário uma mudança estrutural, mudança essa que é refém do próprio capitalismo.

    Parabéns pelo texto.
    Fausto Mafra.

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